Et verbum

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     Fui criada sob as máximas cristãs de que Deus habita em tudo e em todos, porém, nunca dei o devido crédito a isso, tendo em vista minhas próprias maledicências. Não enxergava Deus em meus pais, tão pouco em irmãos e primos, todos eles, que seja por uma vez, de alguma forma magoaram-me, o que os afastava de qualquer semelhança a ideia que eu nutria do divino. Na escola, não era preciso irmandade, cérebro e estômago bastavam para digerir tudo que me lançavam as fuças, o dito ensino. Entre amigos um belo sorriso, pronto a rir das piadas mais esdrúxulas estava suficiente. Enfim, nada de deus... Porque Ele enquanto verbo habitava no criador e não nas imperfeitas criaturas.


     Aos domingos mamãe, sem palavra alguma, mas dizendo tudo me arrastava ao templo para orar. Saber ser grato é uma virtude – dizia ela. E com o propósito de agradecer, dedicávamos longas duas horas de nosso sagrado descanso. Domingo, trégua da rotina, o dia em que até o Senhor descansou. Enquanto a boca gratificava sem saber devidamente o porquê, os olhos procuravam pontos que podiam deixar-se mirar. E inúmeras vezes comoviam-se com o êxtase dos anjos imortalizados em pedra, e na frieza do gesso que deixava mais triste a face dos mártires.

     Entretanto, certa vez, a imagem de deus se fez contemplar, pude vê-lo claramente em seu corpo másculo e olhos escuros, cabelos ajeitadamente desgrenhados. Ele também esteve a me fitar, e assim permanecemos pela eternidade que cabe no segundo. Senti meu rosto aquecer, e acreditei ser esse o tal fogo abrasador proveniente do Amor Maior. Tentei deixar-me enveredar nos sermões e parábolas, porém, todos os caminhos levavam-me a aquele ser. Não compreendia a atração exercida, e por fim, dei-me o direito de admirar aquela imagem. Sentia o Amor preencher meu corpo vazio de menina, ele era quente e ocupava tudo. Em meu peito o coração acelerava-se como uma criança que saltita para festejar a chegada de alguém especial. Acabará de conhecer e ser invadida por aquele sentimento, um sentimento que só podia ser coisa de deus... Um deus que por tamanha vaidade permitiu a eu apreciar a sua pele alva, seus olhos castanhos. A ponto de nos tornarmos um só. Meu olhar amante, residindo em meu amado. O verbo se fez essência para habitar as minhas entranhas... Consumir-me em seu amor, que de tão divino, caro factum est...


Vanessa Rodrigues

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